Stephen Crane não chegou a completar 29 anos (1871-1900), mas teve uma vida extraordinária – entre os episódios dramáticos, sobreviveu a um naufrágio – e publicou mais de uma dezena de livros, entre eles um dos grandes clássicos da literatura dos Estados Unidos do século XIX, o romance O emblema vermelho da coragem (1895), ambientado na Guerra Civil Americana. O monstro e outras histórias, de 1898, revela sua maestria na narrativa curta, com três textos exemplares nos quais mergulha na América profunda. Nessas histórias, Crane trata de personagens em desajuste com as circunstâncias externas, seja um homem marginalizado, um estrangeiro ou uma criança. A tradução e o posfácio da edição são assinados por Jayme da Costa Pinto e o projeto gráfico é de Luciana Facchini.
No primeiro texto, O monstro, um homem negro que trabalha para um médico branco salva heroicamente o filho deste de um incêndio, mas o fogo o deixa desfigurado, provocando a rejeição dos habitantes de uma cidade pequena. Em sua simplicidade apenas aparente, a história pode ser lida como uma alegoria das relações raciais nos Estados Unidos, uma crônica de província ou um retrato da frivolidade moral. Não à toa, O monstro é muitas vezes relacionado ao livro Homem invisível, de Ralph Ellison, autor que declarou que Crane influenciou não apenas Ernest Hemingway, mas também a maioria dos escritores modernistas do século XX, ele incluído. O célebre crítico William Dean Howells, considerou O monstro o melhor conto escrito até então por um autor nos Estados Unidos; e o escritor Joseph Conrad o qualificou de “assombroso”.
O hotel azul, conto antológico, vem em seguida no volume. O enredo gira em torno de um estrangeiro que se vê numa mesa de jogo e adota um comportamento perigoso. A trama tematiza os riscos de ir contra a corrente num contexto de convenções espúrias. Finalmente, em As luvas novas de Horace, um garoto se mete numa briga, estraga suas luvas novas e teme a reação da mãe. É uma história que evoca o medo e as transgressões da infância.
“Que Crane tenha sido capaz de traçar um esboço tão pungente, sensível e esclarecido da sociedade de sua época, em tão pouco tempo e tão precocemente, é testemunho de seu imenso talento”, afirma sobre os três textos Jayme da Costa Pinto. E o escritor Paul Auster, autor de uma recente e alentada biografia de Crane, observou que “passados 120 anos de sua morte, a chama de Stephen Crane ainda brilha intensamente”. Considerado um grande estilista, Crane viveu num período de ampla diversidade literária em todo o mundo. Talvez por isso ele tenha sido classificado, por críticos e por outros autores, como representante de várias escolas: realista, naturalista, simbolista, impressionista e, para Auster, o primeiro dos modernistas de seu país. Particularmente interessante é a atribuição de uma poética impressionista, influenciada pelos pintores franceses do período, que teriam inspirado as vívidas, mas sucintas, descrições de Crane.