Se não enfrentar agora esta navalha tatuada com meu nome, se não torná-la inofensiva, eu aceitarei essa culpa. Não compreendo, mas respeito os que escolhem morrer. Creio que com os anos a sua existência doía no corpo, essa hipermatéria da melancolia.
(...)
De seu mundo secreto e incurável, eu nada sabia, nele não entrava, e agora jamais saberei - somente a navalha antes de fincar na carne enrugada do pulso deve ter recolhido uma lasca de seus segredos.
Convulsiono-me no que poderia ter sido - é nesta areia movediça que agonizo, o desejo que não arreda, não dá trégua. Agora o tempo parece não ter passado - ontem e hoje num carrossel sem fim. De mãos entrelaçadas nunca caminhamos, sempre sonâmbulos executando tarefas práticas e banais, rotina hipnótica que rouba nossos sonhos e dilacera o calendário, dias jogados no vácuo e o futuro trancafiado no passado.
Em algum lugar distante, o uivo de um cão, delatando as dores do mundo, pródromo do meu espanto.