Ninguém pode, de verdade, afirmar como um romance acontece e o que ele é. Nem mesmo quem o escreve. Um livro, em um certo sentido, é como uma casa: quem a habita dá a ela singularidade, solidez e significado. Portanto, um livro é uma casa de infinitos construtores e habitantes. Escritores, narradores, personagens e leitores - variáveis de anfitriões, hóspedes e visitantes - fazem parte da estrutura e da substância que mobíliam, sustentam e dão continuidade a uma narrativa. E, para que isso aconteça, é preciso espaço, é preciso diálogo. No livro Mulherzinha Gigante, de Daniela Silva, encontram-se ambos. Organizado em blocos de texto, que a narradora chama de quadros, e elencados numericamente como cenas de uma via-sacra, ele expõe simultaneamente a cruz e a luz de cada uma de suas personagens, todas protagonistas e coadjuvantes, cada uma à sua maneira, de seus dramas. São poucas, quase todas mulheres: umas nascidas, outras em gestação na mente da narradora, uma jovem biógrafa em busca da história de João Cardoso, um homem qualquer. Ele, de fato, não importa. João Cardoso, quem sabe, seja irreal dentro do próprio livro. Importa o percurso que ele a obriga a traçar, os caminhos subjetivos e objetivos que ele faz a percorrer e os devaneios que a ausência ou a presença urgente do tempo impõem. Não há quase descanso. Há ousadia e desejo por respostas e por um destino. “Estamos sempre indo a algum lugar”, reflete a narradora. Pode ser real ou imaginário, concreto ou imaterial, mas um lugar. A própria identidade e existência, talvez. Não sei. Não sabemos. Sei que sem um ponto de chegada, não se realiza o de saída e sem os dois, tampouco, há movimento. E movimento é o local por onde transita o cotidiano, a imaginação e a literatura.