Os tubarões provocavam suas próprias ondas. Estávamos em águas desenhadas só para nós. Eles chegavam pelas fronteiras cada vez mais distantes. Pareciam saber. Cumpriam com um antigo e raro ritual. Um festival de excessos e maravilhas que só se dava algumas vezes ao longo da vida. Do meu corpo, tubarões embaixo, dos lados, na frente e atrás. Ignoravam-me. Percebi que pelas bocas dos tubarões, eu não morreria. O mar, no entanto, talvez me matasse pela intrusão. Estava em um lugar, pensei, em que obviamente não deveria estar. Estava vendo algo que não me criaram para ver, imaginei.
NANÁ DELUCA: Formou-se em Letras na USP e seguiu a carreira acadêmica. É mestre em Literatura Francesa, com enfoque em estudos feministas, estudos de gênero e literatura LGBT. Apresentou uma dissertação sobre a escritora Violette Leduc. Atua na Educação Popular dando aulas de Redação, Literatura e Interpretação de Texto (nunca Gramática, por acaso ou ideal) em cursinhos de São Paulo. Gosta desse limbo acadêmico e de ser parte desta etapa da formação. Gosta de ver no fim do ano guerrilhas explodindo os muros na forma das listas de aprovação. Tem família toda de Santos, mas não nasceu lá, o que incomoda um pouco (é como ter raiz profunda no jardim do vizinho). Sente muita falta do mar no cenário de concreto. Só sabe ler, escrever e falar. De resto, investiga.