Soldados rasos foi publicado pela primeira vez na Inglaterra, em 1929, assinado por um desconhecido “Soldado 19022”. Editado em pequena tiragem, o livro esgotou-se rapidamente. Teve nova edição no ano seguinte, em escala comercial, mas o texto sofreu cortes – foram extirpados todos os palavrões e demais expressões consideradas chocantes para a época. O sucesso do livro na Inglaterra foi tal que logo críticos e escritores se empenharam em descobrir quem era, efetivamente, seu autor. Pois esses leitores atentos perceberam que o surpreendente relato do cotidiano das trincheiras da Primeira Guerra Mundial não poderia ter sido escrito por um soldado qualquer. Foi o escritor – e também militar – T. E. Lawrence, o famoso Lawrence das Arábias, que desvendou o mistério, forçando o australiano Frederic Manning (1882-1935) a sair do anonimato.
O número 19022 era efetivamente a identificação militar recebida pelo escritor Frederic Manning quando se alistou voluntariamente no exército britânico, na legião formada por soldados de diversas nacionalidades. Conhecido nos círculos literários da Inglaterra onde vivia, Manning, até então autor de poucos livros e resenhista em uma revista literária, participou das ofensivas franco-britânicas contra os alemães na região do vale dos rios Somme e Ancre, na França, durante o segundo semestre de 1916.
Seu livro é uma ficção baseada no cotidiano dos homens nas trincheiras e acampamentos, entre bombas e goles de rum, longas esperas e marchas. Manning dá voz aos soldados anônimos, com seus diferentes sotaques e gírias, revelando a percepção – ou incompreensão – que tinham do conflito. Por essa perspectiva singular, aliada à capacidade do autor de representar os diferentes sotaques dos integrantes da legião estrangeira, entre jargão militar e gírias próprias, o livro passou a ser cultuado por escritores como Ezra Pound, T. S. Eliot ou E. M. Forster.
Ernest Hemingway declarou certa vez que considerava o livro de Manning como o “mais belo e mais nobre” de todos os que já lera “sobre a guerra e os homens que a fizeram”. “Eu o releio a cada ano, para me lembrar de como as coisas realmente eram, para não ter nunca de mentir – a mim mesmo ou aos outros – sobre o que foi essa realidade”, disse.
Soldados rasos só foi relançado em sua versão integral, sem cortes, na Inglaterra no final dos anos 1970. É essa a versão que foi traduzida para o português por Fal Azevedo – até então, permaneceu inédita no Brasil.