Agastya Sen é um indiano de 24 anos que inicia sua vida profissional no serviço público, seguindo os passos do pai e de boa parte da elite de seu país. Acostumado à vida nas megalópoles de Calcutá e Nova Delhi, ele é enviado para a provinciana Madna – cidade quentíssima onde fará seu treinamento em administração distrital. Este é o ponto de partida de Inglês, August, de Upamanyu Chatterjee, romance de formação frequentemente comparado a O apanhador no campo de centeio, de J. D. Salinger, e best-seller quando lançado na Índia, em 1988. O livro foi a estreia de Chatterjee, e esta edição é o primeiro volume do escritor com tradução no Brasil, feita por José Geraldo Couto.
Num estilo transbordante de sarcasmo e observação humana, Chatterjee acompanha, sem moralismo nem condescendência, os meses de aprendizado de Agastya, marcados por desatenção ao trabalho e uma insistente sensação de irrealidade. Colaboram para esse estado de espírito o consumo febril de maconha e álcool, além da atividade onanista e da curiosidade exacerbada pelos mais variados tipos de mulheres. Para espantar o tédio, Agastya mente sobre a sua própria história. Em diferentes ocasiões, diz que é casado com uma norueguesa muçulmana, que escalou o Everest ou que matou a própria mãe.
Em contraste com a aflição diante da burocracia e das queixas da população nos escritórios governamentais, Agastya tem facilidade em fazer amigos e frequentar as reuniões em torno de jantares e do chá da tarde. Por causa de seu nome incomum, os locais preferem chamá-lo de Inglês, dada sua habilidade no idioma dos antigos colonizadores, ou pelo apelido de August. Ele é “um indiano não autêntico, um ocidental não autêntico”, como observa no posfácio o premiado escritor indiano Akhil Sharma. Num trecho do romance, Chatterjee resume a tragicomédia de Agastya: “Não havia um único pensamento em sua cabeça sobre o qual não se sentisse confuso”.
O livro, escrito em inglês como toda a obra de Chatterjee, carrega o subtítulo “Uma história indiana”. Trata-se de uma crônica da vida cotidiana pela qual passa uma coleção de personagens das mais diversas extrações, todos com um toque ridiculamente desconfortável, do qual não escapam o protagonista nem suas relações mais próximas. No quarto em que Agastya se hospeda, os mosquitos voam para todos os lados, as lagartixas caem do teto, uma rã faz do banheiro o seu lar. A comida é intragável e suspeita. Agastya anda por ruas sem saneamento básico. Numa das passagens mais sérias e tristes do livro, ele visita uma colônia de leprosos. Em outra, crianças são mergulhadas com cordas num poço para colher em baldes a água lamacenta.