por que a alegria?, me pergunto, mas não ouso manifestar essa inquietação, mas logo descubro: haviam acabado de rezar, entoaram, talvez de mãos dadas, padre-nosso, a ave-maria, quicá tivessem até desfiado um rosário ou um terço, de maneira que posso discernir o contentamento no semblante de todos, e de certa forma isso me acalma também, uma perturbação se achega novamente, helena, quando heitor revela que não teme a morte, que está preparado para ela, como, helena?, como?, como uma pessoa pode ficar assim passiva diante da própria desgraça, mesmo que aparentemente inevitável?, então, ele cita novamente o eclesiastes, talvez porque fosse o único livro sagrado pelo qual eu até então conservava certa admiração: pois os vivos sabem que morrerão, mas os mortos não sabem coisa nenhuma, e hoje estou vivo, acrescenta ele, mas amanhã ou mesmo daqui a pouco posso morrer e de uma maneira ou de outra, o que experimentarei é o esquecimento e não pode haver dor no esquecimento e, se não há dor, por que existiria sofrimento?, e toda essa passividade de gado, todo esse abaixar de cabeça que reconheço nas atitudes dos meus, desde o nascimento, me deixa inquieto, até heitor tossir, à deriva, ele tenta erguer os braços, ele, aturdido por alguma reviravolta do corpo, engasga e, quase sufocado, quase esgotado, tenta expelir uma brisa, quase guincho, quase palavra, e eu me apresso a acudi-lo, erguendo-o pelos braços, agarro a carne mirrada daqueles flancos, pareço um hércules diante do pouco peso (...)