Prefácio ao livro “A dança do fantástico – autor-espectador”, por Tales Ab"Sáber
Rubens Rewald é um artista do aberto, um vivente daquilo que propõe, um antropólogo da própria humanidade, tentando liberar erotismo em uma cidade como São Paulo desde os anos 1980 até hoje. Apesar de suas áreas de predileção serem tão imensamente estruturadas – o cinema e o teatro –, sua abordagem da vida tenta imprimir uma ética da abertura, uma experiência que não se reduza a mecanismos, uma vida que escorre e se projeta de modo surpreendente, onde não esperávamos, deixando camadas de força entranharem-se na força da própria forma. Se olharmos com atenção seus filmes, veremos a vida forçando com intensidades interiores o enquadre ao redor, muito estabilizado, que se tornou a vida social para muitos excluídos – excluídos da experiência – do mundo de hoje.
Neste livro, Rubens mergulha de modo intenso na intersubjetividade presente e oculta em todo trabalho de arte. Quantos, desde Ulisses e de Aquiles, cantaram e influenciaram o produtor Homero e quantos existem de fato dentro dele, em seu poema-mundo? Tentando responder a essa questão, o autor multiplicado deste livro faz de si autor-propositor e leitor-espectador, ao mesmo tempo que produz e convoca amigos, artistas, arquiteto, dançarino, psicanalista, entre outros, para fazerem com ele – em uma espécie de relação de vida amorosa como base da obra –, para fruírem, estranharem e intervirem, em um trabalho que é a elaboração dessas vozes. A unidade da linguagem é gestada entre tantos e entre tantas experiências, que o local, na vida, onde o autor se faz e é feito simplesmente se desfaz. Aqui, o local da cultura é a linguagem sonhada entre os homens, que é, desde a sua raiz, múltipla, mais de um.
Processos de processos, circuitos de fluxo, mistério do que se articula intersubjetivamente: tudo isso realiza a obra. O processo que atravessa sujeitos os assujeita? Tudo parece indicar que não. A abertura atenta a processos é o desejo de desenhar a própria vida e de ser de fato desenhado por ela. Um filme onde nada acontecesse, ao longo de duas horas, é um filme onde apenas a vida mesmo acontece, nos dizia Zavatini, sonhando com todo o cinema moderno desde uma Europa que deveria conjurar o seu próprio compromisso com a morte. Godard reinauguraria essa ideia ao fazer seus personagens flutuarem subjetivamente, quase planar pela experiência, ao longo do tempo contínuo de seus planos-sequência em fluxo luminoso de preto e branco. Real tempo aberto do amor em um quarto. Tempo sonho da vida no cinema, tempo real no sonho da vida. Assim como Hélio Oiticica ofertando objetos engendrados, encontrados, espaços desenhados de modo não muito forte, obras-capas que esvoaçavam, para que cada um fosse a arte que vivesse.
Rubens ensaia, de modo completo incompleto, uma contribuição, um jogo e um poema, nessa tradição da sensibilidade para a experiência e sua comunidade. E de seus nomes, que pertencem mais a todos do que a um.