Democracia – um romance americano pode parecer um título paradoxal ou irônico, mas é apenas uma boa descrição. Trata-se, de fato, de uma história ficcional em torno de uma forma de governo – aquela que, na famosa frase de Churchill, é a pior, exceto todas as demais. Com tradução e posfácio de Bruno Gambarotto, o livro ganha sua primeira edição no Brasil num momento em que muitos se perguntam sobre os rumos inesperados que as democracias podem tomar. É o que faz também a protagonista do romance. Jovem viúva rica de Nova York, Madeleine Lee, após perder um filho, decide viajar para Washington com o objetivo de entender a democracia. “Ela queria ver com os próprios olhos as forças primárias em ação; tocar com as próprias mãos a imensa máquina da sociedade; medir com o próprio pensamento a capacidade da força motriz”, explica o autor, Henry Adams (1838-1918), historiador, jornalista e herdeiro de uma dinastia de políticos norte-americanos – alguém que conheceu os bastidores do centro do poder dos Estados Unidos como poucos. A jornada de Madeleine Lee, portanto, só poderia ser de descobertas, às vezes na forma de grandes decepções.
O romance, única incursão de Adams no campo ficcional, foi publicado em 1880, sem atribuição de autor. Mesmo assim, foi um sucesso de vendas, gerando especulações sobre quem o havia escrito. Algumas chegaram bem perto de Adams e seu círculo intelectual. O mistério só foi revelado pelo editor do romance quando o autor morreu, 38 anos depois da publicação. Não se conhecem os motivos da omissão de seu nome, mas talvez tenha sido um modo de Adams despistar temporariamente os leitores das semelhanças com políticos de seu tempo.
O ceticismo do escritor transparece nas desventuras de Madeleine Lee em Washington, narradas com boas doses de crônica de costumes e um tanto de romantismo. Quando Madeleine chega à capital acompanhada da irmã, Sybil, está para tomar posse um novo presidente, identificado apenas pelo prenome Jacob, político notoriamente provinciano e intelectualmente limitado. As duas mergulham na intensa vida social do período de formação de governo, marcado por especulações, conchavos políticos e tráfico de influências. Madeleine é cortejada por dois homens em tudo diferentes: Silas Ratcliffe, senador, e John Carrington, advogado e ex-combatente da Guerra Civil. Em contraste com a grandeza ética, porém quixotesca, de Carrington, o senador, determinado a ser o próximo presidente do país, é puro pragmatismo amoral numa época em que a palavra lobby e a ocupação de lobista já existiam com o vigor dos dias de hoje. “Seu princípio era a falta de princípios”, escreve Adams ao expor as tramoias, promessas irrealizáveis e a fraude eleitoral cometida por Ratcliffe para garantir o cargo de secretário do Tesouro do presidente eleito.
No decorrer do romance, vários personagens compõem o pano de fundo de uma Washington cosmopolita, mundana e perigosa para os incautos. Entre as figuras secundárias estão o cínico barão Jacobi, idoso diplomata búlgaro preso à cidade por dívidas não pagas, e Nathan Gore, homem de letras e diplomata ocasional como Henry Adams. É deste personagem a frase que costuma ser considerada a opinião do autor sobre a democracia: “Admito que é um experimento, mas é a única direção que a sociedade pode tomar que vale a pena, a única concepção de seu dever ampla o bastante para satisfazer seus instintos, o único resultado pelo qual vale a pena o esforço ou o risco”.