O adjetivo que mais vem à mente durante a leitura dese ivro é "visceral". E no sentido mais literal do termo: na escrita de Ramon Ramos, o mergulho na interioridade inclui não, só a introspecção - considerações sobre o amor e suas sequelas, a perda e a solidão - mas também a observação constante do corpo, seu funcionamento, suas mazelas, tudo que dele sai. As referências literárias evocadas pelo narrador são sempre a autores que privilegiam o corpo: Clarice Lispector, Hilda Hilst, Ana Cristina Cesar, Caio Fernando Abreu, Samue! Beckett Primeiro interagindo com outros habitantes da cidade, depois afastando-se do meio urbano para se dedicar à apicultura, o narrador nos mergulha na intimidade de um eu inquieto, em que a consciência quase hipocondriaca da própria vulnerabilidade e finitude convive com um sutilissimo senso de humor, que lampeja nos momentos mais inesperados. A vulnerabilidade como procedimento é um livro denso, profundamente desconcertante, de cuja leitura ninguém emerge intacto.
Paulo Henriques Britto