Um sujeito decide não sair mais de casa quando começa a desconfiar que alguém se aproveita de sua ausência para mexer em suas coisas. Esta é a premissa de "O Conjugado", livro de estreia de Luiz Antonio Ribeiro, que suscita uma reflexão sobre o vasto universo existente dentro de cada janela de um edifício. Como um maestro de palavras, o autor rege um texto ritmado que faz verdadeira homenagem a lingua portuguesa e suas deliciosas duplicidades. Ao passar tempo presos com ele no pequeno apartamento, vamos conhecendo protagonistas e coadjuvantes de sua história. Desde Clóvis, o cachorro preto da síndica fanha que vive brava, até Nadia, com quem ele poderia ter vivido um romance não fosse o drama particular com que precisa lidar. Como em qualquer vizinhança, não faltam também tipos clássicos: o velho pelado que acaba por se tornar amigo ou a senhora noveleira que desata a falar no elevador. Situações francamente rotineiras, como o cheiro de café que entra pela manhã ou a faxina para tirar o pó dos móveis de livros, se alternam com peculiaridades que só quem divide um prédio com muitas pessoas reconhece. Uma tentativa absurda de suicídio - não seriam todas? - ou o estouro de um cano que se torna espetáculo e revela, por detrás das cortinas, a possibilidade do amor. Mas "O Conjugado", na verdade, não é sobre o exterior. Ao atentar sobre o que acontece lá fora, joga-se luz sobre o que se desenvolve por dentro. Dentro de uma casa, que agora expõe detalhes despercebidos na inércia da rotina, mas também dentro de si - pensamentos, sentimentos e neuroses que tornam esse sujeito um cara que poderia ser eu ou você. Só que pelo viés da poesia.